segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A politização/mercantilização da Fé

O que mudou nas religiões? Lembro-me de quando era criança, que ir à missa aos domingos era algo rotineiro, natural, nem tanto para mim, pois meus pais não eram praticantes, apesar de me estimularem a participar, pelo menos para eu conhecesse o assunto e um dia pudesse optar a ser ou não praticante, ou que pudesse escolher entre as religiões e mesmo pela ausência delas. Não vou entrar no detalhe da minha escolha, ela é pessoal e só interessa a mim, entretanto com o passar dos anos, senti uma mudança na maneira como as pessoas vêem as religiões. Estas gradualmente passaram a ter mais escolhas, com o advento aqui das evangélicas, que tomaram corpo nos EUA e aos poucos descobriram o potencial comercial deste tipo de culto.

Eu sei que algum leitor deste texto já deva estar pensando em defender o próprio culto, calma, respeito o direito das pessoas acreditarem naquilo que lhes convém ou que os satisfaça espiritualmente. Meu ponto de vista se refere ao fato de que no passado, a crença religiosa era algo privado e pessoal, é claro que os pastores sempre tentavam fazer crescer seu rebanho, mas era um assédio relativamente discreto. Hoje em dia, me parece que o lado comercial das religiões aparenta ter assumido uma importância preponderante. Moro numa cidade em que o número de igrejas, templos, ou seja lá o que forem, são em maior número do que restaurantes, lanchonetes, postos de gasolina, que são tipos usuais de comércio repetitivo. Já vi templos, cujas dimensões e localização mais se parecem com lojinhas, cada uma com um nome mais exótico que a outra. Todas são uma variação, sobre um mesmo tema.

Como disse acima, cada um acredita no que lhe convém ou o satisfaça, o que não me parece razoável é cobrar por esta crença e não é pouco o que é cobrado, tira toda a espontaneidade do culto, que vende curas, direito ao paraíso etc. O mesmo ocorre com outras religiões, onde a contribuição deveria ser algo espontâneo, afinal há um custo para manter o funcionamento de um templo. O que não me parece razoável é explorar a boa fé de alguém, que procura conforto espiritual, vendendo direito ao paraíso, curas para males de saúde, lembram-se da venda de indulgências na época de Martinho Lutero? O resultado foi o aparecimento do luteranismo, uma nova versão da igreja católica, que repudiava esta mercantilização, que com o passar do tempo voltaram-se a esta prática.

Minha intenção em abordar este assunto, é chamar a atenção sobre o fato, de que as religiões deveriam ser um assunto de foro íntimo, algo que não deveria estar sujeito, a interesses comerciais de supostos pastores, lembram-se de Edir Macedo ensinando seus “pastores”, a literalmente arrancar dinheiro dos fiéis? Até onde entendo, o chamado dízimo deveria ser uma contribuição espontânea, destinada ao custeio do templo, do sustento e alimentação dos pastores e as eventuais sobras distribuídas entre os necessitados........... Este é talvez um conceito antiquado da religião. Esta mercantilização das religiões, parece ter resultado na politização das mesmas e conseqüentemente, seu uso para fins políticos, que tem alimentado conflitos ao redor do mundo, nos últimos vinte e cinco anos, quando da falência do comunismo, como sistema econômico e polarizador ideológico de conflitos. A religião revelou-se um combustível, muito mais eficiente para alimentar e motivar lutas infindáveis, que no fim servem a interesses econômicos comerciais. Um conflito precursor desse tipo de uso da religião foi o aparentemente eterno conflito na Irlanda do norte, supostamente motivado pelos desentendimentos entre católicos e protestantes, quando a principal motivação era econômica e sua duração, mais de setenta anos, foi devida a esta aparente motivação religiosa. Não vou adentrar numa análise histórica destes conflitos, até porque não sou tão versado em história, para isso estudem Eric Hobsbawn, este sim um grande e talvez o maior historiador vivo. Minha intenção é chamar atenção, para o fato de que a prática religiosa parece ter perdido a espontaneidade, indispensável para o conforto espiritual sincero. A meditação, a introspecção são a procura da paz interior, da tranqüilidade e da paz de espírito alcançada por si só, ou com a ajuda de alguém realmente sincero e não um vendedor de milagres, indulgências, ou o paraíso, com ou sem virgens, como no islamismo. O objetivo das divindades, com a sua ética fundamental, na maioria das vezes irrepreensível, é o bem. A ética das religiões, com alguma eventual exceção, é positiva e voltada para o bem, entretanto o conceito desse bem, varia conforme os costumes de cada povo, que deu origem a esses conceitos éticos, mas em nenhuma das religiões que tenho conhecimento, a compra de indulgências ou benefícios é conceito fundamental, esses benefícios seriam uma recompensa pela prática do bem, da caridade, do auxílio ao próximo, sem uma tabela de preços ou uma cotação de valores terrenos, trocados pela sua prática. É compreensível que há um custo para a manutenção dos templos, para a alimentação dos pastores, etc. e se você está satisfeito com seu culto ou religião, é compreensível que o suporte através de um dízimo espontâneo e dentro de um valor, compatível com suas disponibilidades, não o decidido por um suposto pastor, porta voz direto de sua divindade, seja ela qual for. Cansei de ver pessoas humildes separar até 10% ou mais de seus parcos salários, para seu culto, sob pena de serem impedidos de praticá-lo e para alcançar graças e benefícios. Quem os impediria? Um pastor qualquer que se arvora em interlocutor e intermediário entre o fiel e sua divindade?

Como já disse, acredito que a maioria absoluta das religiões e cultos, tem bons propósitos e são uma influência positiva, na organização e moderação das sociedades, agora que se tornem um comércio, destinado ao sustento de uns poucos pastores, iluminados e interlocutores das divindades, que são vendidas em troca de um dinheiro suado, obtido com trabalho e dedicação, de crentes ingênuos e predispostos a procurarem soluções para seus problemas, que não conseguem resolver por si mesmos, é abusar demais da boa fé destes.

Estas “novas religiões” aprenderam com as práticas da igreja católica, que ao longo dos séculos se tornou, proporcionalmente, o estado soberano mais rico da história. Se o excedente das riquezas amealhadas, tivesse sido distribuída entre os necessitados, estariam mais próximos da doutrina que pregam. Por outro lado não teriam podido indenizar as vítimas dos casos de pedofilia, praticados por alguns de seus pastores, com bilhões de dólares de seus polpudos lucros.

Sei que muitos que lerem este artigo, ficarão indignados com este infiel. Mas reafirmo minha firme convicção e respeito pelos propósitos de uma parcela sincera dos fiéis, que acreditam e praticam os conceitos éticos de seu culto, sem hipocrisia.

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